Os antigos sábios da Índia, ou Rishis como ficaram conhecidos, buscaram compreender a vida através de suas observações e intuições mais profundas, advindas de intensos períodos de meditação, contemplação e autoconhecimento. Comprometidos com sua busca pela Sabedoria, eles estabeleceram a fundação do pensamento humano mais complexo da antiguidade,anterior mesmo às civilizações chinesa e greco-romana. O fruto deste ímpeto investigativo vê-se presente nos Vedas e Upanishads, os livros mais antigos do oriente, no desenvolvimento da tradição do Yoga e da Meditação, e no surgimento do primeiro sistema de saúde da humanidade que permanece vivo até os dias atuais, o Ayurveda.
A Medicina Tradicional Indiana teve um desenvolvimento gradual e consistente ao longo de milênios, embasado na observação da vida humana por estes sábios, que dentro da Cultura Indiana passaram a ser denominados Vaidyas, conceito semelhante ao que chamamos hoje de médico.
A Sabedoria cumulativa destas dezenas e dezenas de gerações de Vaidyas, que tinham como suas principais ferramentas o autoconhecimento e a observação atenta sobre as variações nos organismos humanos e seus processos de adoecimento ou saúde.
Isto propiciou o estabelecimento de um sistema de conhecimento integral sobre o corpo humano, suas desarmonias e possibilidades de reequilíbrio. Esta compreensão sobre o ser humano foi sendo cuidadosamente aprimorada, até que o formato clássico da visão do Ayurveda sobre os biotipos metabólicos, os Doshas, foi concebido. No ocidente, o conceito dos Humores (sangue, fleuma e bílis) na Medicina Grega Antiga é certamente uma ressonância dos biotipos do Ayurveda.
A filosofia dos Doshas baseou-se nessa observação das naturais diferenças metabólicas, emocionais e psíquicas facilmente perceptíveis na variedade que a Natureza fez surgir nos corpos humanos e suas distintas e únicas personalidades. Dosha é uma palavra de difícil tradução nas línguas modernas, que em sânscrito significa literalmente o que decai, erro, falha ou impureza. Contudo, esse termo, como usado por Charaka, Sushrura e Vagbhata, os autores clássicos do Ayurveda, possui uma conexão com a palavra: organização. Pois, enquanto os Doshas estiverem em harmonia, tanto quantitativamente quanto qualitativamente, haverá harmonia em nossa psicofisiologia. Quando houver desarmonia, um processo de desequilíbrio, poluição ou viciação dos Dhatus, os tecidos do corpo, se inicia e a partir daí podemos dizer que um tecido se torna dosha (aqui significando impuro).
Mas em uma compreensão mais ampla poderíamos traduzir melhor Dosha como: aquilo que tende a entrar em desequilíbrio e que mais facilmente afetará certos tecidos do corpo, resultando no adoecimento. Tendo esse conhecimento em nossas mãos, podemos, assim, estar com a natureza ao nosso favor, ao invés de lutar contra ela, afinal de contas, os Doshas são inteligências sistêmicas que podem organizar saudavelmente um organismo ou desequilibrá-lo, se não estiverem em harmonia.
“Um indivíduo que mantenha em equilíbrio
os principais elementos do corpo (incluindo os Doshas e Dhatus),
uma digestão apropriada (agni), a excreção adequada (mala kriya),
um estado de bem-aventurança na alma (atma),
os sentidos satisfeitos (indriyan) e uma mente feliz (manas)
é chamado de swasthya ou pessoa saudável.”
~ Sushruta sutra [Capítulo 15, verso 41]
Assim, ser uma pessoa saudável é ser capaz de equilibrar todos os aspectos de nossa vida, não só as questões corporais, mas também a dimensão mental, emocional e espiritual. A perspectiva Ayurvédica leva em consideração todas essas facetas do ser humano ao fazer uso dos Doshas como uma interpretação psicofisiológica individual, que serve de ponto de partida para a compreensão da intrincada dinâmica única que constitui cada indivíduo em seu meio, facilitando o estabelecimento e a manutenção da saúde de forma plena.
- Os Doshas e os elementos
Os Doshas, desta forma, constituem um conhecimento atemporal sobre o humano, não uma filosofia exótica de um povo oriental antigo, sendo perfeitamente aplicável em nosso mundo contemporâneo. Veremos aqui como essa teoria da Índia antiga permanece também como a visão mais completa já concebida sobre o ser humano.
A vida em nosso corpo precisa de energia. Precisamos de energia para mover os fluidos e nutrientes até as células, como também para digerir, metabolizar e absorver os nutrientes dentro das células, e para lubrificar e manter a própria estrutura celular. Aqui, Vata é a energia do movimento, Pitta, a energia metabólica da transformação e digestão, e Kapha, a energia estrutural e de lubrificação. Precisamos destas três energias em harmonia para que tenhamos saúde e longevidade. O autoconhecimento sobre nosso próprio corpo é de grande importância para compreendermos como cada uma dessas energias tem um papel crucial em nossas vidas.
Partindo dos princípios dos Pancha Maha Bhutas, a teoria dos cinco elementos primordiais da matéria: Espaço, Ar, Fogo, Água e Terra, estes sábios antigos da Índia procuraram analisar a distribuição destes em si mesmos e em cada pessoa que tinham contato. Antes de tudo, é preciso compreender que na antiguidade não eram conhecidos conceitos como átomos e moléculas, e sem o conhecimento laboratorial ou microscópico, eles buscaram fazer uma interpretação filosófica dos padrões da natureza e do próprio ser humano, contudo, já com todo o foco e meticulosidade possível à época do que chamamos hoje de método científico. Deste estudo nasceu a teoria dos três Doshas: Vata, Pitta e Kapha, e como cada um possui uma variação dos cinco elementos em si que define simbolicamente o que tende a entrar em desequilíbrio em um organismo.
De acordo com o pensamento indiano antigo, todo o Cosmos é uma contínua interação das energias simbolizadas pelos Pancha Maha Bhutas. Podemos encontrar em nós um pouco de todos esses elementos da natureza e, de certa forma, todos nós possuímos um pouco de cada um dos três Doshas, apesar de, em geral, apresentarmos um em maior evidência que os outros.
O Dosha Kapha, por exemplo, é responsável, em nosso corpo, por toda a estruturação física e pela “cola” ou coesão que mantem as células juntas. Seus elementos associados são Terra e Água, daí também ser responsável por disponibilizar os fluidos para todas partes e sistemas do corpo, lubrificando articulações, umidificando a pele e mantendo nossa imunidade. Em equilíbrio, Kapha nos dá força e estabilidade corporal, calma, perdão e amorosidade no coração. Mas em desequilíbrio, causa congestões, inchaços e bloqueios, e pode nos levar também ao apego, a ganância e a possessividade.
Mas para essa estrutura existir, precisamos de Pitta e Vata. Em nós, Pitta é responsável por coordenar todos os processos de Transformação do corpo, desde o metabolismo intracelular de produção de energia ATP e até a regulação da temperatura do corpo e todo o intrincado processo bioquímico sistêmico do organismo. Constituído principalmente de Fogo e Água, ele governa a digestão em todos os seus aspectos, a absorção e assimilação dos nutrientes. Quando em equilíbrio conseguimos digerir bem os alimentos, ter boa compreensão intelectual, inteligência e determinação na mente. Em desarmonia, Pitta desenvolverá problemas gástricos, como azia ou úceras, e desordens inflamatórias pelo corpo, como também raiva, stress e ciúme a nível mental.
Para mover os nutrientes digeridos pela energia de Pitta por toda a estrutura física mantida por Kapha, precisamos de Vata e sua energia sutil. Composto por Espaço e Ar, essa energia do movimento governa a respiração e todos os movimentos dos músculos, dos tecidos do corpo, o peristaltismo etc., como também os batimentos do coração e todos os inúmeros micromovimentos citoplasmáticos nas membranas celulares. Se equilibrado, Vata significa fluidez, leveza e flexibilidade, criatividade e dinamicidade. Caso entre em desequilíbrio, produzirá movimentos anormais pelo corpo, inquietação, TOC, medo e ansiedade.
- Os Doshas e as desarmonias
Que maravilha é estar com os Doshas funcionando bem e sustentando o corpo de forma inteligente, integrada e congruente com a natureza. Conhecendo melhor as variações dos Doshas em nosso metabolismo individual podemos compreender as origens dos desequilíbrios e buscar a prevenção através da alimentação e de hábitos saudáveis que reequilibrem os Doshas em nós.
O ser humano, contudo, ao insistir em hábitos e modos de vida cada vez mais distantes de uma vida harmônica, se desequilibra hoje mais rapidamente do que nunca. Para o Ayurveda, a resposta que precisamos dar a esse desequilíbrio está também dentro de nós. Um processo de autoconhecimento ayurvédico bem guiado leva a uma compreensão profunda das raízes das desarmonias em cada pessoa e quais hábitos são ideais para cada pessoa.
Partindo desta milenar teoria dos Doshas, que nos dá chaves muito importantes para o processo de autocura e resgate da saúde perdida, o Ayurveda nos ajuda a entender que em nós podemos encontrar um pouco de todos os 5 elementos da natureza e que todos nós possuímos um pouco de cada um dos 3 biotipos: Vata, Pitta e Kapha. Os elementos, como símbolos, nos auxiliam na interpretação dos tipos de desequilíbrios mais comuns a cada dosha. Cito alguns exemplos:
Indivíduos de Dosha predominantemente Kapha tendem a gerar mais muco nasal, apresentar mais letargia pela manhã, reter líquidos e ganhar peso mais facilmente; tudo isso tem a ver com os elementos Terra e Água, que fazem com que seu metabolismo seja mais lento que o dos outros dois doshas. Esse indivíduo deveria buscar agregar mais os benefícios dos elementos que lhe faltam: ar, espaço e fogo, tanto em seus alimentos como em seus hábitos, por exemplo, ingerindo alimentos mais leves e picantes, que não só evitarão a formação do muco, como ajudarão na sua dissolução. Ele deverá buscar também uma prática de Yoga mais dinâmica ou um exercício físico de alta intensidade pela manhã, algo que lhe desperte mais para a vida, o que naturalmente irá lhe auxiliar também a equilibrar o peso corporal.
E da mesma maneira, tendo identificado seu Dosha ou Doshas principais, cada pessoa deve buscar reequilibrar-se diminuindo aqueles que estiverem em excesso e aumentando os que lhe harmonizam. A desintoxicação corporal e uma dieta que restabeleça o equilíbrio entre os Doshas em nossa mente e corpo é o primeiro passo para nos reequilibrar com a vida em nós mesmos. Além da alimentação, os procedimentos e massagens ayurvédicas atuam efetivamente para reduzir os doshas em excesso e equilibrar os elementos, juntamente com o Dinacharya, a rotina de hábitos saudáveis sugerida pelo Ayurveda.
De modo geral, o autoconhecimento é a grande chave para transformarmos nossas vidas em vidas plenas de saúde, vitalidade e longevidade, pois conhecer-se é saber ouvir nossas intuições mais verdadeiras, que irão, em última instância, definir nossos atos e como vivemos nossos dias.
Todo esse conhecimento do Ayurveda nasceu do ímpeto de autoconhecimento de grandes mestres e sábios de outrora e hoje, graças a uma linhagem milenar de transmissão da sabedoria destes Vaidyas, podemos acelerar nosso processo de autodescoberta, aplicando o conhecimento sobre os Doshas em nossas escolhas e hábitos, encontrando naturalmente nossa Saúde Integral.
Em artigos posteriores iremos explicitar com mais detalhes e exemplos as características completas de cada um dos Doshas e as variações clássicas Bi-Dosha e TriDosha. Acompanhe nosso Blog para ler os próximos posts!
Namastê,
Marcus Fonseca
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2 comentários
Adorei o post! No pouquíssimo conhecimento que tenho e no que
já observei em mim mesma, acredito que meu Dosha é Pitta. Vou ficar de olho aqui no blog e acompanhar os próximos posts pra saber mais sobre a característica dos Doshas…
Olá Milena! Apreciamos o seu retorno. Sim, fique de olho aqui Blog e se desejar descobrir seu Dosha com precisão para seguir a alimentação, desintoxicação e os hábitos ideais para o seu biotipo é só agendar sua 1a sessão da Terapia Ayurveda. 🙂
http://www.institutoentreser.com.br/ayurveda/terapia-ayurvedica/
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